Olá!

Como é de conhecimento público, amo romances policiais. E se eles vêm da Escandinávia (principalmente Suécia), melhor ainda. Nesta região, acho que o gelo é abençoado e por isso brota tanta história boa. E como todo bom livro, via de regra, vira filme ou série de TV, e, às vezes é a única ferramenta que temos para conhecer grandes histórias. Então, falemos de Wallander - versão da BBC.
Com 4 temporadas de três episódios cada (cada episódio equivale a um livro), a série vai contar a história do inspetor policial Kurt Wallander, que mora na simpática região de Ystad, na Suécia. Por mais que seja um lugar bucólico (e fofinho), lá ocorrem crimes macabros - que se tornam muito tensos quando olhamos o contexto atual do país (igualdade entre os sexos perto do ideal, IDH perto do 1, direitos trabalhistas sendo respeitados e assim por diante). É a função de Kurt desvendá-los.

Em paralelo às suas investigações, também podemos conferir um pouco da vida pessoal do inspetor: seu pai tem Alzheimer, sua ex pediu o divórcio, mas ele acha que pode salvar o casamento, a filha que volta-e-meia some e aparece... Enfim, problemas que qualquer ser humano possa vir a ter, o que torna a série mais palpável para o público.

Na Netflix está disponível a versão da BBC, que merece os parabéns por ter feito uma produção impecável, aproveitando ao máximo as paisagens locais. A primeira temporada foi ao ar em 2008 e a última, no ano passado. Mas as negociações datam de 2007, quando Kenneth Branagh se reuniu com Henning Mankell para discutir sobre a série. Mas é claro que, antes da BBC, a Suécia fizera sua versão da série, que foi ao ar entre 2005 e 2013.
Equipe de Kurt na primeira temporada. A partir da esquerda: Anne-Brit (Sarah Smart), Martinsson (Tom Hiddleston) e Lisa Holgersson (Sadie Shimmin)
Sobre as atuações, há muitas mudanças ao longo da temporada, então vou me ater somente à mais importante: a de Kenneth, que me conquistou com seu personagem logo nos primeiros minutos do primeiro episódio (porque sou assim com séries, tem que me conquistar de cara). Claro que todo mundo tem sua importância à série, porém muita gente entra-e-sai ao longo das temporadas, por isso prefiro falar só dele, mas aproveito e cito a brilhante Jeany Spark, como Linda Wallander, filha de Kurt.

Aproveitando o texto, falemos dos livros. A série escrita por Henning Mankell entre 1991 e 2009 tornou-se sucesso instantâneo. Claro que ele já era conhecido no país por seus diversos livros voltados para o público infantil, mas foi com Wallander que ele se consagrou como o maior escritor da Suécia (segundo os próprios suecos), superado somente por um tal de Stieg Larsson... Além de escritor, ele adorava teatro e, entre idas e vindas pela África, acabou fundando o Teatro Avenida, em Maputo, capital de Moçambique (será que ele falava português?).

Pelas minhas contas, são 11 livros sobre Kurt e mais um tendo Linda Wallander como protagonista. Aliás, sobre o livro de Linda, a ideia de Mankell era criar um spin-off de três volumes sobre a jovem que tinha acabado de se formar policial (será que acontece na série? deixo o questionamento pra vocês), porém, a atriz que interpretava Linda no seriado sueco cometeu suicídio, o que levou o autor a desistir da sequência (infelizmente perdi a fonte em que li esta notícia).
Um dia terei um lar só pra colocar uma placa com meu sobrenome, algo bem comum na Suécia. Foto: site Henning Mankell
Cada episódio da série dura uma hora e meia, e justamente por isso demorei tanto a terminar - poxa, estou acostumada séries com, no máximo, meia hora de duração cada um. Porém, cada vez mais me via envolvida na trama, tentando, ao lado de Kurt, resolver cada crime, cada questionamento proposto. Kenneth se entregou demais ao personagem, fazendo com que eu passasse a acreditar que ele era real. E quando o inspetor começou a esquecer algumas coisas, meu coração passou a doer um pouquinho, porque não queria que acabasse a série...

Não entendo muito de fotografia, mas filmaram a série de modo a deixar o ambiente todo nublado, ressaltando mais os tons sombrios e escuros e sempre focando Kurt solitário. Como se quisessem mostrar que ele é gente como a gente, tem seus medos e incertezas. Suas perspectivas não são as mais positivas, mas ele acaba se mostrando muito inteligente, mesmo expondo tão pouco de si. É só mais um homem em busca de justiça.

No Brasil, a Companhia das Letras detém (até segunda ordem, pelo menos) o direito exclusivo de publicar as obras de Mankell. De novo pelas minhas contas (sou de humanas, gente), a editora publicou oito, mas eu só consegui dois até o momento (A Quinta Mulher e Um Passo Atrás), mais adiante pretendo trazer as resenhas de ambos. Mesmo ainda não tendo lido, recomendo demais a série, e, como está na Netflix, vale a pena acompanhar.

Henning Mankell faleceu em 2015, na cidade sueca de Gotemburgo. Além de escritor, era diretor e dramaturgo. Foi casado com Eva Bergman, filha do lendário cineasta Ingmar Bergman. Apesar de seus vários livros, a série de Kurt Wallander é considerada sua obra-prima.


Olá!

Amo a Itália, amo Milão, amo a Inter, mas nunca tinha lido nada do Umberto Eco. Até agora. Ainda não tenho coragem de ler O Nome da Rosa, sua masterpiece, mas tive uma prova de sua escrita ao ler Número Zero. E, sinceramente, esperava mais.
SKOOB - Número Zero se passa em Milão e começa com um homem que percebe que sua casa foi invadida. Ele sabe que tem um segredo que pode lhe custar a vida, mas ele precisa fugir. Este homem é Colonna, um jornalista de 50 anos, mas com uma vida de merda, trabalhando em empregos ruins e com uma carreira fracassada. Porém, um certo Simei o procura com uma proposta irrecusável: publicar um jornal amanhã com notícias de ontem. Nem preciso dizer que ele a aceitará.

Meio difícil de entender, mas vamos lá: é um jornal que vai publicar notícias velhas como se fossem novas, isso porque, mesmo a notícia sendo velha, a forma como ela é escrita pode deixá-la até mesmo atemporal. Estudei quatro fucking anos de jornalismo e ninguém me ensinou nada parecido, tampouco vi isso em algum lugar. Porém, se entendi certo, é um jornal que vai reescrever notícias velhas como se fossem novas porque estas vão ganhar um novo ponto de vista.

É um conceito interessante mas um pouco confuso, conforme você lê, vai entendendo. É pra entender aos poucos mesmo. Aliás, o jornal vai receber o super título original de... Amanhã. E nessa redação, Colonna vai conhecer uma equipe interessante, mas os destaques vão para Maya (a única mulher no recinto), o Bragadoccio (tem umas ideias doidas) e Lucidi (que diz ter uns contatinhos pesados), além dos estúpidos que fazem perguntas idiotas. Cada um deles vai cuidar de um setor: esportes, horóscopo, política, etc...
Ah, faltou dizer que esse jornal - como todo veículo de comunicação - tem um dono. E esse dono tem interesses. Porque o jornal pode se chamar Amanhã, mas o dono tem interesses hoje, então, nada de matérias que podem comprometê-lo. Só que, nesse meio tempo, o Bragadoccio vai encontrar um conteúdo muito interessante acerca do provável destino dos restos mortais de Benito Mussolini. Em cima desse conteúdo, o colega de Colonna vai criar uma teoria sobre o que aconteceu no dia da morte do ditador fascista. Mas como Bragadoccio tem fama de "engraçado", ninguém vai ligar pra história dele. Até que acontece uma certa situação, que vai fazer com que a história de Bragadoccio acabe sendo levada em consideração.

Quando alguém fala Umberto Eco, só vem à mente um único título: O Nome da Rosa. E diferente de sua masterpiece, o italiano vai trazer para um livro escrito em 2015 o universo de uma redação jornalística nos anos 90. Não muito diferente de hoje, o Amanhã poderia ser taxado, tranquilamente, de sensacionalista ou de veículo de entretenimento. A história se passa nos idos de 1992 e temos uma boa ideia do que se passava nas redações daquela época.
Pelo hype que o autor tem (ele morreu mas a obra ficou), eu esperava muito mais do livro. É uma boa história? Sim. Bem escrita? Também. E só. Apesar da construção extremamente difícil de um número zero de jornal (pelo menos pra quem é leigo), a história tem seus pontos engraçados, uns momentos de tensão e é isso aí, senti falta de algo mais forte, que me prendesse mais ainda e me instigasse. Por sorte, a escrita do Umberto é tão gostosa que dá pra ler super rápido.

Não li outras obras dele (pretendo) mas pude notar um estilo único, marcado por saber satirizar ao mesmo tempo em que se critica. Tem coisa melhor que ensinar e ainda dar umas risadas? Pelo menos é assim que eu aprendo (aprendia, nos tempos de escola). A leitura vale a pena também porque a gente pode conhecer umas ruas legais de Milão - não é todo dia que leio uma obra que se passa na Itália.

No mais, apesar de eu ter sentido falta de alguma coisa que realmente me marcasse, foi uma boa leitura, inclusive pra quem quer conhecer a escrita do Eco e tem medo das 574 páginas de O Nome da Rosa (eu), recomendo Número Zero. O trabalho de revisão da Record está bem feito e a capa é bem bonita, com cara (mesmo) de romance policial.



Olá!

Cumprindo o sétimo tópico do Desafio 12 Meses Literários, o escolhido para leitura e resenha deveria ser um livro não tão conhecido. E Suflê é tão desconhecido que nem eu conhecia, rs. E quando você joga no Google "livro Suflê", aparecem diversas opções... de livros de receitas. Porém é um livro muito delicado e tocante, escrito pela turca Asli E. Perker.
SKOOB - O livro conta três histórias em uma: da Ferda, que vive em Istambul e está cuidando da mãe doente (ou que se finge de). Marc mora em Paris e não sabe como vai seguir com a vida após a morte da esposa. A filipina Lilia vive em Nova York e só na velhice descobriu que foi sugada até a alma por sua família.

É um pouco complicado falar sobre o livro sem se alongar, pois três histórias em uma só praticamente não tem como esmiuçar. Pois bem, comecemos com Ferda, a turca, que sempre viveu aquilo que esperavam dela: por ser a mais velha, ficou com a (amarga) função de cuidar da família, ainda mais após a morte de seu pai, quando ainda era criança, e com as falsas dores de sua mãe. O povo turco é muito ligado à família, então a pobre Ferda ficou com esse fardo. Casou-se com o homem que amava, teve seus filhos e acreditou que, quando chegasse a velhice, poderia descansar. Que nada. A senhora Nesibe - a mãe - sofreu um acidente e acabou ficando aos cuidados da filha.

Assim como Ferda, Lilia também fez aquilo que esperavam dela: sempre colocou os outros à frente. Casou-se com Arnie, cujo relacionamento foi minando ao longo dos anos até que chegou o ponto em que a convivência ficou insuportável. O casal adotou duas crianças vietnamitas - algo em voga nos EUA à época - mas que se tornaram dois monstros. Cada dia era igual ao anterior, até que Arnie tem um derrame e vai parar no hospital. A monotonia silenciosa dele é interrompida quando Lilia, para ajudar nos custos do tratamento, resolve alugar os quatro quartos de sua casa para alunos estrangeiros de uma escola próxima.

Marc sempre viveu à sombra de sua esposa Clara. Ela fazia absolutamente tudo por ele. E ele se sentia bem assim, em sua zona de conforto. O casal vivia num bairro simpático de Paris, onde Clara era querida por toda a vizinhança. Ela vivia indo a vários mercados, sempre comprando ingredientes para testar novas receitas, que Marc comia com prazer. Mas, silenciosamente, Clara morre, deixando o marido numa dor profunda e intensa. Como a cozinha era o local favorito da esposa, o viúvo resolve fazer uma mudança drástica: remontar o ambiente e tudo que estivesse nele.
Esse é o básico de cada um dos três protagonistas. O ponto alto da história é quando sabemos como a cozinha é importante na vida de todos. Ferda cozinha desde que se conhece por gente, já que a mãe vivia "doente" e o pai morrera cedo, alguém precisava cozinhar. Marc comia absolutamente tudo o que a esposa preparava. Lilia adorava cozinhar e servir às pessoas. Mas o que eles não sabem é que, em certo momento, em três lugares totalmente diferentes, três pessoas comprarão o mesmo livro: Suflê.

A cozinha - e o livro que ensina a fazer a sobremesa mais difícil do mundo - salvarão esses três personagens da loucura. Nela, eles saberão como é se sentir dono e senhor de sua vontade e desejos, e assim, vão viver um pouquinho melhor, já que a realidade está ali, lado a lado.

Como é maravilhoso eu poder frequentar uma biblioteca! Gosto de me surpreender com obras vindas dos mais distantes lugares, então foi uma surpresa para mim poder conhecer essa maravilha made in Turquia. A autora usa o suflê (nunca comi, será que é bom?) como uma espécie de metáfora para a vida. Os protagonistas podem ser qualquer um de nós, vivendo vidas rotineiras e monótonas, caindo na mesmice, mas que em um ou outro momento pode acontecer algum milagre, ou, algum ponto sai da curva.

Infelizmente, o livro não teve o alcance que merecia. Pelo menos nunca vi pra vender em lugar algum. Por sorte, ainda podemos encontrar na Amazon. Além do pouco (pra não dizer nenhum) destaque, a editora falhou em seu trabalho de revisão. Diversos erros foram encontrados durante a leitura. Erros de revisão dos mais bobos, o que mostra como a editora precisa melhorar - e muito - se quiser continuar existindo.

No mais, sei que é difícil, mas espero que mais obras da autora cheguem no Brasil, porque ela tem uma escrita maravilhosa - sem falar que é humilde e responde os leitores nas redes sociais. Leitura mais que recomendada.

Leitura participante do:





Olá!

Na retomada da parceria do blog com a Oasys Cultural, recebi um lindo exemplar de No Reino das Girafas, que, apesar de suas poucas páginas, tem uma grande lição. Foi escrito pela Jacqueline Farid e publicado pela editora Jaguatirica.
SKOOB - No Reino das Girafas conta a história de uma mulher - cujo nome não é informado em nenhum momento da obra - que, em viagem pela Namíbia, além de estar numa busca por si mesma e conhecer o país, também procura um jeito de terminar seu relacionamento, que está tão estável e rotineiro que perdeu todo o brilho de outrora. O namorado está em seu país de origem (que também não nos é informado).

Passeando por diversos pontos turísticos do país, nossa narradora vai imaginando situações e relembrando momentos de sua vida. E a viagem tem seus pontos perigosos, agravados pelo fato de que é uma mulher que está viajando sozinha, de carro, por um país desconhecido, numa região que não é vista com bons olhos pelo resto do mundo - num mundo machista, isso pode ser fatal, infelizmente. Mas nem só de perigo vive a narradora. Ela também desfruta lindos passeios por aldeias e savanas, encontrando todo tipo de animal, incluindo as girafas que dão nome ao livro.

Junto com seus instrumentos de praxe, a narradora leva um caderno de capa vermelha, em que, de acordo com o que acontece na viagem, ela pensa numa frase que se encaixa naquele contexto e escreve nesse caderno. As frases aparecem constantemente durante a leitura, uma mais linda que a outra.
A única verdade absoluta que o leitor sabe é que Jacqueline Farid viajou para a Namíbia três vezes, em 2009, 2010 e 2011, sempre no mês de agosto. Será que a autora estava inspirada durante essas viagens? Será que os fatos retratados no livro realmente aconteceram com ela? Será que ela realmente se separou do namorado?

Apesar de serem perguntas interessantes, todas elas ficam em segundo plano quando lemos o livro, que tem uma delicadeza única. Não sei em que ela se inspirou para escrevê-lo - além do país, claro - mas essa jornada de autodescoberta por parte da narradora nos faz refletir sobre nós mesmos e o que fazemos de nossa vida. Mesmo só tendo 108 páginas, cada linha, cada palavra tem sua importância na história. Só me irritei no finalzinho, quando eu tô quase feliz, aí a situação acontece e eu me pergunto: por quê?? Você conseguiu, não reclama, mulher!!

O trabalho de edição/revisão/capa da Jaguatirica segue um pequeno padrão da editora, mas essa capa com tons de terracota (parece nome de batom) e amarelo, com as girafinhas correndo está tão linda!!! Não encontrei nenhum erro e a leitura flui muito rápido, não só pela quantidade de folhas, mas também pela escrita simples da autora. Leitura recomendada.

Morrer é engolir o grito.